O COLONIALISMO E A IDEIA DE RAÇA NO DIREITO
[Questionário n. 2] #score: +100
Uma longa história de luta pela liberdade
Em meio a escuridão da noite, em local próximo ao sombrio Power Canyon, o cavalheiro preterido surgiu novamente. Ainda atormentado com a dolorosa passagem anterior, convenceu-se da necessidade de aguardar o amanhecer para dar início a sua missão, uma longa caminhada em busca de restaurar a justiça e o direito em Modern Society.
Enquanto a ansiedade tomava conta de si, deitado no céu estrelado sobre o Justice Garden, começou a notar que o ambiente lhe inspirava a reflexão. Não conhecia ainda o sentido e as realidades da palavra “direito”, que o havia fascinado e era central para a sua tarefa. As estrelas, as folhas ao chão, a grama e os ramos das árvores pareciam soar, provocar sua mente para descobrir o que aquela palavra despertava na mente dos habitantes de seu mundo.
Ao divagar sobre o que poderia ser, aquele jardim se abriu para lhe dar a resposta, apontando a alguns livros perdidos ou que alguém os havia deixado a propósito. Dirigiu-se aos livros com uma cautela inicial, receio de que poderiam conter coisas que o desviassem de seu caminho. Abriu-os e começou a percorrer os índices, perdendo-se nos conceitos e nas exposições sobre variadas temáticas.
Porém, o vento guiou-o ao capítulo primeiro de um destes, e leu “o conceito de direito”. Sua leitura fora proveitosa e conseguiu compreender, ainda que sem uma contextualização, as significações e as realidades que o vocábulo direito apontava.
AS LIÇÕES DO VELHO HISTORIADOR
O direito sempre foi espaço de embate entre valores de liberdade e de autoritarismo, muitas vezes justificando tiranias pela defesa da liberdade. Esta disputa é constante ao longo do movimento da história, o que permite compreender muitos aspectos da nossa humanidade, sempre frágil e falível.
A definição de liberdade não é fácil, como diria a poetisa Cecília Meireles, “Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.”. Por outro lado, o seu contrário é mais fácil de definir, apesar de também ser um fenômeno social complexo.
O autoritarismo, em linhas gerais, pode ser definido como o exercício unilateral e desarrazoado do poder (ou seja, nas mãos de uma pessoa ou de poucas, e sem limitações à utilização deste poder). Via de regra, o autoritarismo implica na restrição das liberdades do indivíduo, devendo a maioria se submeter ao mando (“jugo”) dos que detém e exercem o poder.
A formação do direito moderno se dá no contexto de reação ao abuso do poder, podendo-se observar diversas manifestações em oposição à sua centralização deste e o seu abuso. Estas insatisfações permitem perceber tanto as experiências concretas do autoritarismo, quanto as suas nuances (transformações) no desenrolar do movimento histórico.
O ABSOLUTISMO E A SERVIDÃO VOLUNTÁRIA
O Absolutismo é um conceito utilizado para referenciar determinado período histórico, entre os séculos XV e XVIII, que fora marcado pela centralização do poder político e, em parte, econômico nas figuras centrais das monarquias nacionais da Europa continental, em suma, o rei.
Será neste contexto que o jovem Étienne de La Boétie escreverá o “Discurso da Servidão Voluntária”, tentando compreender o porquê de tantas pessoas servirem a um tirano de modo voluntário, mesmo discordando, e não o contestarem. No objetivo de expor sua insatisfação para com o poder absoluto do Estado (sem limitações e centralizado na figura do soberano), La Boétie questiona a obediência a este absoluto, às suas ordens.
Em um trecho do “Discurso da Servidão Voluntária”, pode-se perceber suas reflexões:
[1] Mirmidon ou Myrmidon: homenzinho medíocre, insignificante.
No momento, gostaria apenas que me fizessem compreender como é possível que tantos homens, tantas cidades, tantas nações à vezes suportem tudo de um Tirano só, que tem apenas o poderio que lhe dão, que não tem o poder de prejudicá-los senão enquanto aceitam suporta-lo, e que não poderia fazer-lhes mal algum se não preferissem, a contradizê-lo, suportar tudo dele. Coisa realmente surpreendente (e no entanto tão comum que se deve mais gemer por ela do que surpreender-se) é ver milhões e milhões de homens miseravelmente subjulgados e, de cabeça baixa, submissos a um jugo deplorável; não que a ele sejam obrigados por força maior, mas porque são fascinados e, por assim dizer, enfeitiçados apenas pelo nome de um que não deveriam temer, pois ele é só, nem amar, pois é desumano e cruel para com todos eles. Tal é entretanto a fraqueza dos homens! Forçados à obediência, forçados a contemporizar, divididos entre si, nem sempre podem ser os mais fortes. Portanto, se uma nação, escravizada pela força das armas, é submetida ao poder de um só (como foi a cidade de Atenas à dominação dos trinta tiranos), não é de se espantar que ela sirva, mas de se deplorar sua servidão, ou melhor, nem espantar-se nem lamentar-se: suportar o infortúnio com resignação e reservar-se para uma ocasião melhor no futuro. [...] Mas, ó Deus!, o que é isso? Como chamaremos esse vício, esse vício horrível? Não é vergonhoso ver um número infindo de homens não só obedecer mas rastejar, não serem governados mas tiranizados, não tendo nem bens, nem parentes, nem crianças, nem sua própria vida que lhes pertençam? Suportando as rapinas, as extorsões, as crueldades, não de um exército, não de uma horda bárbaros, contra os quais cada um deveria defender sua vida a custo de todo o seu sangue, mas de um só; não de um Hércules ou de um Sanção, mas de um verdadeiro Mirmidon [1], amiúde o mais covarde, o mais vil e o mais efeminado da nação, que nunca cheirou a pólvora das batalhas, quando muito pirou na areia dos torneios; que é incapaz não só de comandar os homens mas também de satisfazer a menor mulherzinha! Nomearemos isso covardia? [...] Dois homens e até dez bem podem temer um, mas que mil, um milhão, mil cidades não se defendem de um só homem! Oh! Não é só covardia, ela não chega a isso – assim como a valentia não exige que um só homem escale uma fortaleza, ataque um exército, conquiste um reino! Que vício monstruoso então é esse que a palavra covardia não pode representar para o qual falta toda expressão, que a natureza desaprova e a língua se recusa nomear?... [...] São verdadeiramente miraculosos os relatos da bravura que a liberdade põe no coração daqueles que a defendem! [...] (LA BOÉTIE, Etienne de. Discurso da servidão voluntária. Tradução de Laymert Garcia dos Santos. São Paulo: Brasiliense, 1999.)
A exposição de La Boétie é uma reclamação constante que percorre e une diversos contextos históricos através de movimentos políticos-econômico-sociais por direitos (no sentido de exigência de justiça) e em defesa da liberdade do cidadão. Se o poder político do monarca constituía a síntese do autoritarismo no período Absolutista, com o desenvolvimento do capitalismo o poder econômico assume destaque com sua centralização fora do controle democrático do poder político, por vezes, pervertendo-o.
O REGIME MILITAR NO BRASIL
No Brasil, durante o período militar, trazendo ao cotidiano a tragédia grega sobre o mito de Medeia, Chico Buarque e Paulo Pontes escreveram a peça “Gota d’água”, em crítica ao regime e ao característico autoritarismo do Estado brasileiro. A peça retratava a disputa por Jasão, entre o amor de Joana e de seus filhos e o poder político e econômico conferido pelo relacionamento com a filha de Creonte.
A releitura da tragédia grega se encontrava carregada pelo contexto sócio-político brasileiro, marcado por uma intensa desigualdade social e autoritarismo. O embate entre Joana e Creonte é permeado pela vingança, pela conciliação e conclui-se com a vitória e perpetuação do poder político e econômico.
A crítica de Chico Buarque e Paulo Pontes foi interpretada pela atriz Bibi Ferreira, no papel de Joana. Ao longa da peça se pode perceber o tom crescente de agonia da protagonista, que contagia todo o enredo, sintetizando e envolvendo na tragédia de Joana.
Alguns trechos da obra permitem perceber o efeito do abuso do poder sobre a subjetividade dos indivíduos:
A gente faz hora, faz fila na vila do meio dia / Pra ver Maria / A gente almoça e só se coça e se roça e só se vicia / A porta dela não tem tramela / A janela é sem gelosia / Nem desconfia / Ai, a primeira festa, a primeira fresta, o primeiro amor / Na hora certa, a casa aberta, o pijama aberto, a família / A armadilha / A mesa posta de peixe, deixe um cheirinho da sua filha / Ela vive parada no sucesso do rádio de pilha / Que maravilha / Ai, o primeiro copo, o primeiro corpo, o primeiro amor / Vê passar ela, como dança, balança, avança e recua / A gente sua / A roupa suja da cuja se lava no meio da rua / Despudorada, dada, à danada agrada andar seminua / E continua / Ai, a primeira dama, o primeiro drama, o primeiro amor / Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo / Que amava Juca que amava Dora que amava / Carlos amava Dora que amava Rita que amava Dito / Que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava / Carlos amava Dora que amava Pedro que amava tanto que amava / A filha que amava Carlos que amava Dora / Que amava toda a quadrilha (BUARQUE, Chico; PONTES, Paulo. Gota d’água. 54. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.)
Joana – Pois bem, você / vai escutar as contas que eu vou lhe fazer: / te conheci moleque, frouxo, perna bamba, / barba rala, calça larga, bolso sem fundo / Não sabia nada de mulher nem de samba / e tinha um puto dum medo de olhar pro mundo / As marcas do homem, uma a uma, Jasão, / tu tirou todas de mim. O primeiro prato, / o primeiro aplauso, a primeira inspiração, / a primeira gravata, o primeiro sapato / de duas cores, lembra? O primeiro cigarro, / a primeira bebedeira, o primeiro filho, / o primeiro violão, o primeiro sarro, / o primeiro refrão e o primeiro estribilho / Te dei cada sinal do teu temperamento / Te dei matéria-prima para o teu tutano / E mesmo essa ambição que, neste momento / se volta contra mim, eu te dei, por engano / Fui eu, Jasão, você não se encontrou na rua / Você andava tonto quando eu te encontrei / Fabriquei energia que não era tua / pra iluminar uma estrada que eu te apontei / E foi assim, enfim, que eu vi nascer do nada / uma alma ansiosa, faminta, buliçosa, / uma alma de homem. Enquanto eu, enciumada / dessa explosão, ao mesmo tempo, eu, vaidosa, / orgulhosa de ti, Jasão, era feliz, / eu era feliz, Jasão, feliz e iludida, / porque o que eu não imaginava, quando fiz / dos meus dez anos a mais uma sobre-vida / pra completar a vida que você não tinha, / é que estava desperdiçando o meu alento, / estava vestindo um boneco de farinha / Assim que bateu o primeiro pé-de-vento, / assim que despontou um segundo horizonte, / lá se foi meu homem-orgulho, minha obra / completa, lá se foi pro acervo de Creonte... / Certo, o que eu não tenho, Creonte tem de sobra / Prestígio, posição... Teu samba vai tocar / em tudo quanto é programa. Tenho certeza / que a gota d’água não vai parar de pingar / de boca em boca... Em troca pela gentileza / vais engolir a filha, aquela mosca morta / como engoliu meus dez anos. Esse é o teu preço, / dez anos. Até que apareça uma outra porta / que te leve direto pro inferno. Conheço / a vida, rapaz. Só de ambição, sem amor, / tua alma vai ficar torta, desgrenhada, / aleijada, pestilenta... Aproveitador! / Aproveitador!... (BUARQUE, Chico; PONTES, Paulo. Gota d’água. 54. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992. p. 92-93.)
Joana – [...] Já lhe dei meu corpo, não me servia / Já estaquei meu sangue, quando fervia / Olha a voz que me resta / Olha a veia que salta / Olha a gota que falta / Pro desfecho da festa / Por favor / Deixe em paz meu coração / Que ele é um pote até aqui de mágoa / E qualquer desatenção, faça não / Pode ser a gota d’água (BUARQUE, Chico; PONTES, Paulo. Gota d’água. 54. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992. p. 190-191.)
Joana – Tudo está na natureza / encadeado e em movimento — / cuspe, veneno, tristeza, / carne, moinho, lamento, / ódio, dor, cebola e coentro, / gordura, sangue, frieza, / isso tudo está no centro de uma mesma e estranha mesa. / Misture cada elemento — / uma pitada de dor, / uma colher de fomento, / uma gota de terror. / O suco dos sentimentos, / raiva, medo ou desamor, / produz novos condimentos, / lágrima, pus e suor. / Mas, inverta o segmento, / intensifique a mistura, / temperódio, lagrimento, / sangalho com tristezura, / carnento, venemoinho, / remexa tudo por dentro, / passe tudo no moinho, / moa a carne, sangue e coentro, / chore e envenene a gordura. / Você terá um ungüento, / uma baba, grossa e escura, / essência do meu tormento / e molho de uma fritura / de paladar violento / que, engolindo, a criatura / repara o meu sofrimento / co’a morte, lenta e segura. (BUARQUE, Chico; PONTES, Paulo. Gota d’água. 54. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992. p. 191-193.)
Creonte – Atenção, pessoal, vou falar rapidamente / Jasão... vem cá... Meus caros amigos, agora, / aproveitando a ocasião e aqui na frente / de todo mundo, quero anunciar que de ora / em diante a casa tem novo dono. A cadeira / que foi de meu pai e foi minha vai passar / pra quem tem condições, e que é de minha inteira / confiança, para poder continuar / a minha obra, acrescentando sangue novo. / Portanto, sentando Jasão aí eu provo: / não uso preconceitos ou discriminação. / Quem vem de baixo, tem valor e quer vencer / tem condições de colaborar pra fazer / nossa sociedade melhor... Senta, Jasão. (BUARQUE, Chico; PONTES, Paulo. Gota d’água. 54. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992. p. 201.)
A REDEMOCRATIZAÇÃO
Posteriormente, com o processo de redemocratização e a promulgação da Constituição Federal de 1988, buscou-se tanto a construção de uma cultura antiautoritária quanto a eliminação das severas desigualdades sociais existentes. As lutas sociais diversas, do movimento de mulheres aos indígenas, terminaram por reorientar o país aos valores da democracia, da promoção dos direitos humanos e da diversidade.
Porém, a retomada da liberdade se deu concomitantemente à uma mudança no modelo de capitalismo vigente, passando de um Estado interventor (perfil voltado ao bem-estar social) para um Estado regulador ou neoliberal (flexibilizando as regras trabalhistas e demais direitos e privatizando serviços públicos e empresas estatais em função da melhoria de rentabilidade das empresas privadas e da austeridade fiscal das contas públicas).
Esta mudança de perfil de atuação do Estado na economia acarretou num comprometimento das orientações consagradas pela “Constituição Cidadã”, conforme retrata o texto abaixo:
O filho da globalização
No final dos anos 1970, um encorajado grupo de pensadores sociais e econômicos, posteriormente chamados de “neoliberais” e “libertários” (embora os termos não sejam sinônimos), percebeu que suas opiniões estavam sendo ouvidas depois de serem ignoradas durante décadas. A maioria deles era jovem o suficiente para não ter sido marcada pela Grande Depressão ou para ter se dedicado à agenda social que eliminou as correntes dominantes depois da Segunda Guerra Mundial.
Eles não gostavam do Estado, que comparavam a governo centralizado, com seu planejamento e seu aparato regulatório. Viam o mundo como um lugar cada vez mais aberto, onde o investimento, o emprego e a renda fluíram para onde as condições fossem mais receptivas. Argumentavam que a menos que os países europeus, em particular, reduzissem os títulos de créditos, que haviam se acumulado desde a Segunda Guerra mundial para a classe operária industrial e o setor público burocrático, e a menos que os sindicatos fossem “domados”, a desindustrialização (conceito novo na época) se aceleraria, o desemprego aumentaria, o crescimento econômico seria mais lento, o investimento escoaria e a pobreza se agravaria. Foi uma avaliação moderada. Eles queriam medidas drásticas e encontravam, em políticos como Margaret Thatcher e Ronald Reagan, o tipo de líderes dispostos a concordar com sua análise.
A tragédia foi que, enquanto o seu diagnóstico em parte fazia sentido, o seu prognóstico era insensível. Ao longo dos 30 anos seguintes, a tragédia foi agravada pelo fato de que os partidos políticos social-democratas que construíram o sistema que os neoliberais queriam desmantelar, depois de brevemente contestarem o diagnóstico dos neoliberais, acabaram aceitando, meio sem jeito, tanto o diagnóstico quanto o prognóstico.
Uma reinvindicação neoliberal que se consolidou na década de 1980 foi a de que os países tinham de perseguir “a flexibilidade do mercado de trabalho”. A menos que os mercados de trabalho se flexibilizassem, os custos trabalhistas aumentariam e as corporações transfeririam a produção e o investimento para locais onde os custos fossem mais baixos; o capital financeiro seria investido nesses países, em vez de ser investido “em casa”. A flexibilidade tinha muitas dimensões: flexibilidade salarial significava acelerar ajustes a mudanças na demanda, especialmente para baixo; flexibilidade de emprego significava habilidade fácil e sem custos das empresas para alterarem os níveis de emprego, especialmente para baixo, implicando uma redução na segurança e na proteção do emprego; flexibilidade do emprego significava ser capaz de mover continuamente funcionários dentro da empresa e modificar as estruturas de trabalho com oposição ou custo mínimos; flexibilidade de habilidade significava ser capaz de ajustar facilmente as competências dos trabalhadores.
Em essência, a flexibilidade defendida pelos impetuosos economistas neoclássicos significava, sistematicamente, tornar os funcionários mais inseguros, o que afirmavam ser um preço necessário para a manutenção do investimento e dos empregos. Cada revés econômico era atribuído, em parte, de forma justa ou não, a uma falta de flexibilidade e à falta de “reforma estrutural” dos mercados de trabalho.
Na medida em que ocorria a globalização e os governos e corporações se perseguiam mutuamente para tornar suas relações trabalhistas mais flexíveis, o número de pessoas em regimes de trabalho inseguros aumentou. Esse fato não foi determinado em termos tecnológicos. Conforme o trabalho flexível se propagava, as desigualdades cresciam, e a estrutura de classe que sustentava a sociedade industrial deu lugar a algo mais complexo, porém certamente não menos classista. Voltaremos a isso mais tarde. No entanto, as mudanças políticas e as respostas das corporações aos ditames da economia do mercado globalizante geraram em todo o mundo uma tendência que jamais havia sido prevista pelos neoliberais ou pelos líderes políticos que estavam pondo em prática suas políticas.
Milhões de pessoas, em economias de mercado abastadas ou emergentes, passaram a fazer parte do precariado, um novo fenômeno, ainda que tivesse nuances do passado. O precariado não fazia parte da “classe trabalhadora” ou do “proletariado”. Estes termos sugerem uma sociedade composta, em sua maioria, de trabalhadores de longo prazo, em empregos estáveis de horas fixas, com rotas de promoção estabelecidas, sujeitos a acordos de sindicalização e coletivos, com cargos que seus país e mães teriam entendido, defrontando-se com empregadores locais cujos nomes e características eles estavam familiarizados.
Muitos que passaram a fazer parte do precariado não conheceriam seu empregador ou saberiam quantos companheiros empregados tinham ou provavelmente teriam no futuro. Eles também não eram a “classe média”, uma vez que não tinham um salário estável ou previsível ou o status e os benefícios que as pessoas da classe média deveriam possuir.
Conforme a década de 1990 avançou, mais e mais pessoas, não apenas nos países em desenvolvimento, encontravam-se em uma posição que os economistas do desenvolvimento e os antropólogos chamaram de “informal”. Provavelmente elas não considerariam esse termo uma forma útil de descreverem a si próprias, muito menos uma forma de fazê-las ver nos outros uma maneira comum de viver e trabalhar. Sendo assim, elas não eram classe trabalhadora, nem classe média, nem “informal”. O que eram elas? Um lampejo de reconhecimento teria ocorrido ao serem definidas como tendo uma existência precária. Amigos, parentes e colegas também estariam numa condição temporária de algum tipo, sem garantia de que estariam fazendo dali a alguns anos, ou ainda meses ou semanas, o que faziam naquele momento. Muitas vezes eles nem sequer desejavam ou tentavam fazê-lo dessa maneira. (STANDING, Guy. O precariado: a nova classe perigosa. 1. ed. Tradução de Cristina Antunes. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. (Coleção Invenções democráticas, volume IV) )
A PERSISTÊNCIA DA DESIGUALDADE
Assim, persiste até o presente momento a crítica ao abuso do poder político e econômico e, consequentemente, a manutenção dos privilégios das elites brasileiras. Na cultura popular brasileira se percebe elementos significativos desta insatisfação, por vezes nos sambas-enredo das Escolas de Samba, como no desfilhe da Escola Paraíso do Tuiuti no grupo especial do Rio de Janeiro em 2018:
Ê, calunga, ê! Ê, calunga! / Preto velho me contou / Onde mora a Senhora Liberdade / Não tem ferro nem feitor / Amparo do Rosário ao negro Benedito / Um grito feito pele do tambor / Deu no noticiário, com lágrimas escrito / Um rito, uma luta, um homem de cor / E assim, quando a lei foi assinada / Uma lua atordoada assistiu fogos no céu / Áurea feito o ouro da bandeira / Fui rezar na cachoeira contra a bondade cruel / Meu Deus! Meu Deus! Se eu chorar, não leve a mal / Pela luz do candeeiro / Liberte o cativeiro social [...] (LUZ, Moacyr; RUSSO, Claudio; MOTTA, Zezé. Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão? Rio de Janeiro: Grêmio Recreativo Escola de Samba Paraíso do Tuiuti, 2017. (Samba-enredo do desfile do grupo especial do carnaval da cidade do Rio de Janeiro no ano de 2018))
O DESAFIO DE THE KNIGHT
Tendo em vista a constante reação popular ao abuso do poder político e econômico, que perpassa a história do ocidente, de La Boétie no Estado Absolutista ao Brasil contemporâneo, pede-se:
Com apoio neste material de leitura, faça uma redação sobre a formação do direito moderno e a luta social pela garantia das liberdades e da dignidade da pessoa humana, levando em consideração os contextos político-econômico-sociais retratados.